Lição primeira: como nomear seu bebê
Era o primeiro neto
Destinado a ser mais velho
De uma linhagem de uns trinta.
A mãe resolvera chamá-lo
Aristides Ricardo
Nome imponente de filósofo
E rei – unidos numa nova
Personalidade.
Era o ano de mil
Novecentos e noventa e dois
Explodia nas rádios uma música
De uma alegria patética:
“Biluzinho tetéia”.
E o menino era tao gutiguti ti fofula nenê gluglu
Que o imponente Aristides
Ficou apenas
Bilu.
Lição segunda: como lidar com o fim do mundo
Era o ano de mil
novecentos e noventa e nove.
Pairava no ar uma angústia
dizia-se que o mundo
ia se acabar.
No ano seguinte o menino
começaria a ir à escola.
Que ele queria ser padre.
Só que, de vez em quando,
se via nele uns gestos
de inquietação profunda:
Era um engolir em seco
um pescoço que se retorcia duro
as pernas que se balançavam muito.
Angústia menina e calada.
Que foi, Bilu? Não quero
Ir para a escola.
Mas a escola é legal
você vai aprender muita coisa
e pérolas e diamantes
os segredos mais profundos
saíam da minha boca
viajavam sete mares
dormiam em tantos castelos
planetas e povos distantes
mas não entravam em suas orelhas.
E aquela carga rara
esse mundo que se abria
mais pesava nos seus ombros.
Aristides resistia.
Contei sobre o mundo todo
que se escondia embaixo
das letras no subterrâneo
das confusas linhas dos livros.
Falei-lhe de amigos novos
e das chaves que estariam
à sua disposição na vida.
Ele olhou bem nos meus olhos
eu via
a angústia – sapo gordo
dançando na sua língua.
O menino engoliu com cuidado
antes de gritar aos prantos
a sua sentença única:
Mas eu não sei LEEEEEEEEEER!!!!!
Eu ri.
Mas chorei junto.
Lição terceira: como ressuscitar seus meninos
Era o ano de dois mil
e seis.
Aristides Ricardo Bilu
Não virara padre.
Aristides Ricardo
não virara filósofo.
Aristides Ricardo ganhara
uma certidão de óbito
com seu nome impresso em caixa alta.
Um dia, me contara com tristeza
que "o tempo passa devagar na escola"
e isso lhe destruía
e o ABC que aprendera. Aprendera
com a vida. Lição de morte,
com a polícia. Pássaro que voa
de noite e de dia.
Aristides Ricardo Bilu
Virou símbolo na família
do garoto que queríamos
e nenhum de nós podia
Ajudar.
Aristides Ricardo Bilu
de filósofo rei gutiguti
virou símbolo da luta
que ainda temos por fazer
pra tornar nossas escolas
espaços de vida, não morte
espaços de encanto
não cortes
onde o sonho, não a sorte
prolonguem as vidas
e perpetuem as memórias
dos nossos.
Dinha
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