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PORQUE NÓIS NUM TÁ AQUI PRA SER LEGAL

sábado, 7 de março de 2015

Centenários Negros: Três lições de casa


(sobre o genocídio da nossa população)




Lição primeira: como nomear seu bebê


Era o primeiro neto
Destinado a ser mais velho
De uma linhagem de uns trinta.
A mãe resolvera chamá-lo
Aristides Ricardo
Nome imponente de filósofo
E rei – unidos numa nova
Personalidade.
Era o ano de mil
Novecentos e noventa e dois
Explodia nas rádios uma música
De uma alegria patética:
“Biluzinho tetéia”.
E o menino era tao gutiguti ti fofula nenê gluglu
Que o imponente Aristides
Ficou apenas

Bilu.

Lição segunda: como lidar com o fim do mundo

Era o ano de mil
novecentos e noventa e nove.

Pairava no ar uma angústia
dizia-se que o mundo

ia se acabar.
No ano seguinte o menino

começaria a ir  à escola.
Que ele queria ser padre.

Só que, de vez em quando,
se via nele uns gestos

de inquietação profunda:
Era um engolir em seco

um pescoço que se retorcia duro
as pernas que se balançavam muito.

Angústia menina e calada.
Que foi, Bilu? Não quero

Ir para a escola.
Mas a escola é legal

você vai aprender muita coisa
e pérolas e diamantes

os segredos mais profundos
saíam da minha boca

viajavam sete mares
dormiam em tantos castelos

planetas e povos distantes
mas não entravam em suas orelhas.

E aquela carga rara
esse mundo que se abria

mais pesava nos seus ombros.
Aristides resistia.

Contei sobre o mundo todo
que se escondia embaixo

das letras no subterrâneo
das confusas linhas dos livros.

Falei-lhe de amigos novos
e das chaves que estariam

à sua disposição na vida.
Ele olhou bem nos meus olhos

eu via
a angústia – sapo gordo

dançando na sua língua.
O menino engoliu com cuidado

antes de gritar aos prantos
a sua sentença única:

Mas eu não sei LEEEEEEEEEER!!!!!

Eu ri.
Mas chorei junto.

Lição terceira: como ressuscitar seus meninos


Era o ano de dois mil
e seis.
Aristides Ricardo Bilu

Não virara padre.
Aristides Ricardo
não virara filósofo.

Aristides Ricardo ganhara
uma certidão de óbito
com seu nome impresso em caixa alta.

Um dia, me contara com tristeza
que "o tempo passa devagar na escola"
e isso lhe destruía

e o ABC que aprendera. Aprendera
com a vida. Lição de morte,
com a polícia. Pássaro que voa

de noite e de dia.
Aristides Ricardo Bilu
Virou símbolo na família

do garoto que queríamos
e nenhum de nós podia
Ajudar.

Aristides Ricardo Bilu
de filósofo rei gutiguti
virou símbolo da luta

que ainda temos por fazer
pra tornar nossas escolas
espaços de vida, não morte

espaços de encanto
não cortes
onde o sonho, não a sorte

prolonguem as vidas
e perpetuem as memórias
dos nossos.


Dinha
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