Segue
carta redigida para ser apresentada ao prefeito Haddad e seus
secretários na reunião do Conselho da Cidade. Estamos recebendo adesões
de organizações e movimentos.
Operação Delegada, prioridade municipal?
O gestão Haddad se autodefine como um governo popular. De fato, o atual
prefeito foi eleito com o voto massivo das periferias paulistanas e é
apoiado por um conjunto importante de forças ligadas aos movimentos
sociais da cidade. Também é verdade que muitos espaços de diálogo com a
população foram fortalecidos, retomados ou criados, em consonância com o
desejo daqueles que defendem uma democracia plena.
Um dos
importantes momentos de consulta do primeiro ano de mandato foram as
audiências públicas relativas à proposta apresentada pela gestão para o
seu Plano de Metas. Naquele momento foi expressa de forma contundente a
demanda, especialmente em plenárias nas periferias, da retirada de uma
meta que até então constava no Plano: a Operação Delegada. A Operação,
como define o próprio documento do Plano de Metas, é um “acordo entre a
Prefeitura e o Governo do Estado em que o policial militar faz hora
extra oficialmente e recebe pagamento da prefeitura de São Paulo”.
O texto descritivo da meta dizia: “Reformular a Operação Delegada
utilizando 1/3 do efetivo para o patrulhamento noturno em áreas com
altos índices de violência.” Mas porque a população pobre, negra e
periférica se oporia a essa proposta?
Ora, responsável por
alguns dos piores momentos da história da segurança pública no Brasil,
como o Massacre do Carandiru, polícia militar paulistana tem mantido a
incrível média de 508 mortes oficiais por ano. Em 2006 foi agente de uma
resposta violenta contra as periferias, quando houve várias denúncias
de execução sumária, motivando a criação das Mães de Maio, formada por
familiares de jovens pobres assassinados por policiais. Em 2012 mais uma
nova onda de mortes levaram o então Delegado Geral da Polícia Civil,
Marcos Carneiro de Lima, a reconhecer a possibilidade da existência de
grupos de extermínio na polícia - denunciados também na reportagem "Em
cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio" (Caros Amigos, 2012)-,
além de apontar que as vítimas tiveram suas fichas criminais consultadas
antes de serem mortas. A relação civil morto x policial morto na
capital em 2012 foi de 35,8, quando as referências do que seria
tecnicamente admissível indicam um coeficiente máximo de 10,0 civis por
PM. Como aceitar a versão de mortes em confronto?
Quando, no
ano passado, a Operação Saturação da PM ocupou a favela de Paraisópolis,
várias situações de abuso foram denunciadas pelos moradores e
associações. Uma adolescente de 17 anos foi atingida no olho por uma
bala de borracha e perdeu a visão. No início de 2013 foi a região do
Campo Limpo que sofreu os horrores da violência policial. Ali, um grupo
de PMs, conhecidos dos moradores do bairro, foi responsável por uma
chacina de 8 pessoas em janeiro, conhecida pela execução do Dj Lah, e
que motivou a ida dos secretários municipais de Direitos Humanos e de
Promoção da Igualdade Racial à região para uma audiência pública em que o
município também foi chamado a agir. Os poucos familiares que se
dispuseram a denunciar foram duramente intimidados, enquanto os policias
continuavam a agir livremente na região. Os movimentos que procuraram o
Secretário Estadual de Segurança ouviram de seu assessor que não havia
canal de denúncia seguro.
Frente a uma polícia altamente letal,
que conta com o funcionamento de grupos de extermínio no seu interior,
que vai às periferias disposta a executar jovens pobres, sobretudo
negros, sem a possibilidade de denúncia, quem se sentirá seguro com a
proposta da Operação Delegada?
Aperentemente, foi por conta
dessas questões que, após o ciclo de consultas, a secretária de
planejamento Leda Paulani reconheceu o problema: “A população reclamou
muito da violência dos policiais. A Operação Delegada não era uma meta
nossa de campanha e não é prioridade do governo. Segurança é uma questão
de Estado que o Município contribui na medida do possível.” Assim,
justificou a retirada dessa política do Plano de Metas. Contudo, ao
apresentar a Proposta Orçamentária Anual para 2014 e o Plano Plurianual
2014-2017, o mesmo governo não só ressuscitou a proposta, mas também deu
a ela prioridade absoluta. A Operação Delegada deverá receber, segundo
esse documentos, um aporte de R$ 110 milhões por ano, o que representa
mais de 2,5 vezes o orçamento destinado à Guarda Civil Metropolitana
(que por sua vez, deverá contar com pouco mais de R$ 45 milhões/ano).
Isso nos leva, inevitavelmente, a nos perguntar qual o papel que o
município assume para si em relação à segurança pública. Será que ao
invés de pensar o problema da segurança de forma inovadora, investindo
numa GCM que seja capaz de garantir o respeito aos direitos humanos e
prevenir a violência, a gestão prefere assumir o discurso de guerra, de
investimento do policiamento ostensivo e armado, que vem se mostrando
ineficiente e brutal?
E como um governo pode, de um lado se
propor a combater o racismo e a mortalidade de jovens negros por meio da
criação de uma Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e do Programa
Juventude Viva e, ao mesmo tempo, investir pesadamente na Polícia
Militar? Porque a fala do seu Secretário de Direitos Humanos, Rogério
Sotilli, que se posicionou contrário à Operação, não foi ouvida?
O resultado disso está bem registrado: no final de outubro passado no
Parque Novo Mundo um policial da Operação Delegada assassinou a tiros um
jovem de 17 anos, um dia após a execução do jovem Douglas por outro PM,
quando antes de morrer perguntou ao seu matador: “Porque o senhor
atirou em mim?”
São jovens como Douglas, cidadãos pobres e
negros como Amarildo que mostram a necessidade de reinventar a segurança
pública no país e também na cidade de São Paulo. Um governo que se diz
popular não pode repetir os velhos erros em relação ao tema, ou a velha
prática das elites nacionais de eliminar e descartar a sua população
pobre por meio do uso da força policial, sobretudo de forma ilegal e
violenta.
Para que se faça o uso legítimo do termo “governo
popular”, o governo Haddad precisa urgentemente colocar em prática o que
ouviu do povo nos espaços de diálogo. Não à Operação Delegada.
Não à violência policial. Não à morte da juventude preta, pobre e
periférica. Por uma cidade que respeite os direitos humanos de seus
cidadãos, independente de classe, gênero, raça ou orientação sexual. Por
uma gestão efetivamente democrática e popular.
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