Para a Rede Poder e
Revolução e Coletivo Perifatividade
Ficamos em casa
pensando, esses dias todos, como dividir com nossos amigos e amigas
algumas angústias que vêm nos incomodando profundamente e que podem
nos ajudar coletivamente a superar algumas das contradições do
nosso momento atual.
Então, escrevemos este
texto, acreditando que cada um de nós é muito importante no
processo de transformação da nossa sociedade, mas que precisamos
avançar em alguns pontos.
Começaremos com uma
pergunta:
O quê será que
Ernesto Che Guevara, os livros, a minissaia e o Movimento Punk
têm em comum?
Nossa resposta imediata
é: Todos nasceram revolucionários aos olhos do mundo e depois
viraram aperitivo para o mal gosto capitalista.
Expliquemos:
Nós fazemos parte de
uma geração que presenciou o abandono de toda uma classe à sua
própria sorte, às suas próprias (ausências de) leis. Presenciou
instalação e a vitória do Neoliberalismo.
Mais do que nossa
geração, nossa classe, viu e vê ainda nosso povo sendo
cotidianamente
oprimido, assassinado, segregado das universidades, de determinados
postos de trabalho, de bairros inteiros que não foram feitos para
pretos e pobres.
Nosso grupo aprendeu
com as gerações anteriores que os livros são bons companheiros:
ensinam, divertem, abrem horizontes. Aprendeu que Che Guevara é um
grande exemplo de pessoa humana revolucionária; que o uso da
minissaia e o desuso do sutiã significavam a libertação feminina
contra a opressão do capitalismo machista; e que o Movimento Punk
pregava um estilo de vida radicalmente avesso a esse sistema de
consumo desenfreado.
Vimos a instauração
de mudanças que ainda não conseguimos apreender e nos posicionar.
O que gostaríamos de
dizer aos nossos amigos e amigas é que a nossa geração não
aprendeu – mas precisa – que os livros não são simplesmente
bons. A valorização da cultura letrada, em detrimento da oral,
esqueceu de nos contar que escritores e escritoras são pessoas
comuns, impregnadas de cultura e intenções revolucionárias ou
contrarrevolucionárias. Ainda não aprendemos que os livros escritos
e/ou veiculados até hoje, em sua maioria não nos representam – ou
pior – depõem contra o nosso povo. Eles nos ensinam, por exemplo,
que a história do povo negro no Brasil se esgota ou na escravidão
ou na religiosidade ou na culinária – quando, na verdade, o povo
negro tem sido o motor que faz com que este país se mantenha
economicamente vivo. Nos ensinam que lugar de mulher é na cozinha,
que homossexualidade é anomalia e que a elite brasileira não tem
nenhuma responsabilidade na miséria econômica e intelectual na qual
vivemos.
Assim, amigos e amigas,
insistimos: não adianta ter uma porção de bibliotecas se elas
forem repletas de Monteiro Lobato e outros do gênero. Esse lixo
racista não serve nem pra ser reciclado, pois pode contaminar ainda
mais o nosso solo, o nosso ar.
E quanto ao caríssimo
Che Guevara? Coitado. Virou Che Consumo. Che Madruga. Madroga. Deve
nunca ter descanso em seu túmulo. Sua imagem – que fora símbolo
de amor à humanidade e disposição para a luta contra o
Capitalismo, hoje nada mais é do que uma camiseta vermelha com um
estêncil de um homem sem história.
Com a minissaia não
foi diferente. Em um momento ela representava a liberação sexual –
necessária – das mulheres. No momento seguinte já se tornara
obrigatória. Estranha burca às avessas para que as mulheres sejam
aceitas e valorizadas pelo seu “potencial femino”. Sim. As
pessoas nos dirão que a inteligência também é valorizada. E o é.
Mas o melhor jeito de colocar o gênero em seu (in)devido lugar
(inferiorizado, como objeto de consumo, propriedade privada e,
portanto, susceptível às violências, mandos e desmandos da nossa
sociedade machista) é ainda a velha e boa minissaia. Isso não quer
dizer, é óbvio, que mulheres sofrem porque usam minissaia (a burca
curta). Sofrem porque são mulheres inseridas em uma sociedade em
constante conflito. O capitalismo precisa de categorias de
pessoas que possam ser subjugadas, inferiorizadas, para que uma só
classe, um só gênero, se perpetue no poder.
Quanto a isso, a
pirâmide social brasileira é bem “clara”: Homens brancos no
topo. Mulheres Brancas logo abaixo. Depois homens Negros e, na
rabeira, por baixo de tudo, sustentando o país, se posicionam as
Mulheres Negras.
Se não há capitalismo
sem racismo, não capitalismo sem machismo também.
Por último, pensemos
no Movimento Punk. Surgido como forma de contestação total ao
sistema capitalista – em sua forma de se vestir, de se portar, de
não consumir, etc – hoje em dia é só mais um cortezinho de
cabelo que pode ser feito em qualquer salão de cabeleireiros,
inclusive os mais chiques. Obviamente, também, nesse caso, há quem
resista. Mas os punks resistentes não conseguem mais falar de um
outro mundo possível, porque sua voz se perdeu no turbilhão.
Enfraquecido, agora é só mais um estilo pronto para o consumo.
Enfim. Tem mais uma
coisa que a gente gostaria de dizer. E diz respeito à Censura.
Os ditos
revolucionários do presente matam e morrem por essa palavrinha
triste. Censuraram a censura.
O que ainda não se
compreendeu, parece, é que há uma mudança importante de contexto.
A ditadura militar agora é outra. O liberalismo venceu e, embora ele
nos confunda parecendo revolucionário, nós só estamos “liberados”
para nos ferrarmos: Para estudar em escola ruim, consumir o que
pudermos, indefinidamente, lermos porcarias racistas, machistas,
sermos objetos de consumo muito bem expostas pra uma melhor avaliação
do consumidor, etc.
Temos que acordar,
perceber que a tendência do Capital é subverter a ordem para
mantê-la, não para modificá-la. E o que surge hoje como
revolucionário e necessário, em pouco tempo pode se tornar
contrarrevolucionário. Precisamos ficar atentos para enxergamos o
quanto antes essas mudanças e reformularmos também as nossas
estratégias. Isso vale para os livros que escrevemos ou editamos, os
saraus que participamos, as bibliotecas que montamos, as pessoas que
atendemos em nossos trabalhos sociais, nossos relacionamentos
amorosos e todas as nossas bandeiras.
Por último, queremos
dizer que nossos coletivos ainda representam o que há de melhor, com
nossa capacidade de articulação, indignação, preocupação com o
ser humano. Só temos que nos manter alertas e prontos para a mudança
que as situações exijam.
Atenção, amigos e
amigas. Atenção às contradições desse sistema.
Dinha e Du
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