ou
Quando o preto vira alvo
ou
O bode expiatório e a luta de classes
De aqui de dentro da guerra, muitas coisas ficam evidentes. Uma delas
é que não é uma guerra fictícia ou simbólica esta que vivemos.
Vivemos uma luta de verdade, daquelas em que a maior parte das coisas
do cotidiano se mostram desagradáveis, as noticias boas são
raridade e o esperar pelo pior é inevitável.
A verdadeira motivação deste conflito, como ensinou Sun Tsu em a
Arte da Guerra, nunca é mostrada, mas vivemos um daqueles
momentos da história onde os homens em idade adulta são mortos aos
montes, as crianças brincam de tiro na beira do esgoto e muitos
adultos acima de quarenta anos já são banguelas, cheios de
cicatrizes e emocionalmente entorpecidos. Aqui todos sofrem com uma
crônica ausência de perspectivas e uma constante incerteza do
presente (incerteza sobre o que irá comer, vestir, onde irá
trabalhar e se estará vivo no dia seguinte). Essa é uma daquelas
guerras que geram níveis de estresse tão altos que desumanizam as
pessoas tornando-as mais brutas.
De
aqui de dentro da guerra pude observar que os homicidas e os
estupradores nunca são investigados pela polícia, ficando a cargo
da população local. No caso dos primeiros é muito comum ouvir da
própria polícia que se trata apenas de “guerra entre traficantes”.
Já os assaltantes e seqüestradores, estes sim são dignos de
grandes investigações que acionam até as “polícias
inteligentes". Então temos pistas para suspeitar de que essa guerra está
atrelada ao patrimônio particular das pessoas e à proteção
destes.
Percebemos que a “grande e feroz” guerra contra o tão sedutor
e organizado tráfico de drogas não existe e nem nunca existiu. Do
contrário não seria possível que a cada mês surgissem novos
pontos de veganguesnda de drogas por todos os lados. Pelo contrario. Como
todos, inclusive a polícia, sabem os locais de funcionamento desses
pontos de venda, teríamos que necessariamente ver a sua redução.
Na realidade, o tráfico de drogas não tem 1% da organização que a
mídia lhe confere. Funciona de maneira primária, quase arcaica. E
os temidos traficantes são apenas trabalhadores ultra-precarizados
que têm baixa escolaridade, são mal pagos, e cuja única garantia é
a cadeia.
O tráfico é, portanto, somente o inimigo escolhido para justificar
a guerra e esconder seu verdadeiro motivo: Desestabilizar e conter os
pobres.
O que de fato acontece é que estamos diante da mais dura faceta da
luta de classes - mesmo que alguns acadêmicos discordem e prefiram
considerar como “de classe” somente a luta vivida pelos operários
das grandes fábricas.
Essa que nos alveja tende a explorar e conter aquele que é o
trabalhador mais massacrado da sociedade, obrigando-os a realizar os
trabalhos mais sujos e pesados em troca dos menores salários. E é
também por conta desse minimalismo salarial que a favela,
animalizada, consumidora apenas das necessidades básicas, precisa de
contenção. E para tanto, temos a ação do Estado que nos destina
políticas públicas mínimas e concentradas em apenas
três áreas (saúde, segurança, e educação) que são estratégicas
para controle da população.
Nessa guerra o povo preto vira alvo. Seria mais uma estratégia de
branqueamento?!
DU
Nenhum comentário:
Postar um comentário