Alcaçuz, Manaus e Roraima. Você sabia? Esta guerra não é entre facções
As notícias correm mais soltas do que os prisioneiros em fuga da
prisão de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, palco de uma das
sangrentas chacinas, inúmeras e recorrentes violações de direitos,
rebeldia e túneis cavados na areia. Sob as barbas feitas e as mãos
bem lavadas dos nossos governantes, desde o dia 14 de janeiro,
batalhas mortais têm sido travadas entre membros do Primeiro Comando
da Capital (PCC) e a facção recém apresentada ao país Família do
Norte (FDN), aliada do Comando Vermelho.
A mídia fala o tempo inteiro em “guerra entre facções” e o
país assiste atônito à suposta incompetência das autoridades em
interferir e finalizar os conflitos. Entretanto, o que vemos em
Alcaçuz e outros presídios de Manaus e Roraima não é uma guerra
entre facções, mas uma faceta da luta de classes que permite ao
Estado omitir-se, violar leis e ainda fingir solidariedade às
famílias das pessoas assassinadas.
Essa tragédia nos lembra o tempo em que no Parque Bristol, periferia
de São Paulo, as crianças jogavam bola ao lado de cadáveres. Tão
perto que, se pudessem se levantar ainda, certamente eles dariam uma
cortada no vôlei, ou um chutão na trave de pedras. Isso porque
mortes violentas faziam parte do nosso cotidiano e o rabecão, sempre
lotado, demorava pra chegar e transportar os corpos. Desde essa
época, por volta de 1980, a mídia já tratava os conflitos
ocorridos nas periferias de São Paulo como “guerra entre gangues”
e “disputas por pontos de venda de drogas”.
Mas, eis que um dia surge o PCC – uma organização de pessoas
aprisionadas voltadas à luta por direitos, pelo cumprimento das
leis relativas à prisão (Oh! Paradoxo. Será mais uma das
contradições do capitalismo?) e proteção de seus integrantes e
familiares. O PCC foi resultado do abandono, da falha do Estado e da
Sociedade, os quais enxergam a justiça pelo viés da vingança –
ignorando deliberadamente todos os acordos mundiais relativos à
garantia de Direitos Humanos, sempre festivamente assinados pelo
Brasil.
Eis também que, contrariando todas as expectativas, o grupo de
“pessoas criminosas” estancou a sangria periférica, estabeleceu
leis, códigos de ética e de conduta dentro e fora das
penitenciárias, diminuindo o número de homicídios em 80% no Estado
de São Paulo. (Não. Geraldo Alckimin e sua PM não têm cacife para
tanto e nem estão interessados em frear o genocídio contra o povo
preto, periférico, que continua em curso desde a abolição da
escravatura – afinal, sonhava-se um Brasil branco e capitalista.)
O sociólogo Clóvis Moura, em seu livro O negro na sociedade
brasileira (1988), afirma que no Brasil houve um projeto de
formação populacional que visava ao embranquecimento da população
brasileira por meio da mistura interétnica, através da criação de
leis segregacionistas e de estratégias de “imobilismo social”. E
um dos resultados de séculos de discriminação é a presença
maciça da população negra nas favelas, nos presídios e outros
lugares de extrema pobreza. Podemos considerar que, nesses lugares, à
estratégia do imobilismo social, citada por Clóvis Moura, soma-se o
alto número de óbitos (genocídio) entre a população negra, como
reforço a essa política de embranquecimento.
Assim, tanto os conflitos armados individuais que deixavam rastros
de sangue nos nossos campinhos, quanto os coletivos que ora ocorrem
nas penitenciárias brasileiras são apenas expressões de uma
guerra maior, a qual possui traços étnicos bem definidos: De um
lado a branquitude secular da elite (devidamente representada por
agentes estatais, sobretudo os do campo da política), de outro a
negritude da população carcerária e seus famílias.
Sendo assim, fervilham em nossas cabeças algumas perguntas: a quem
interessa frear a matança nas prisões? Bandido bom não é mais
bandido morto? Já pensaram se, como colocaram ordem nas favelas, o
PCC ou outro grupo armado resolve e cria condições para pôr ordem
no país? Nós já.
E considerando que a maioria das outras facções desenvoveram-se sob
três bases altamente destrutivas (o mercenarismo, a violência e o
baixo senso de solidariedade de classe - vide números crescentes de
crimes violentos nos Estados onde elas dominam), e considerando ainda
que tudo isso é perfeitamente compreensível, dada a situação de
extrema desumanização em que vivem as pessoas encarceradas no
Brasil, rezemos.
Sabemos que o que vamos dizer agora parece loucura, sobretudo para os
coxinhas com catupiry. Mesmo assim, lá vai (tire a criança da
sala): rezemos pelo PCC.
Ao menos com estes se pôde ver na prática a redução da violência
nas favelas e, caso venhamos a cometer algum erro, com o PCC é
possível reclamar um júri, defender-se e, quando for o caso,
livrar-se do castigo – coisa
Nenhum comentário:
Postar um comentário