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domingo, 9 de março de 2014

Uma página para Carolina


por Raffaella Fernandez

Em uma de suas folhas manuscritas, Carolina Maria de Jesus nos informa que provavelmente tenha nascido no ano de 1914 em Minas Gerais, em uma comunidade rural na cidade de Sacramento onde seus familiares ex-escravos eram meeiros. Mudou-se com a mãe e os irmãos para uma fazenda na mesma cidade quando cursava o segundo ano primário. Estes dois anos mal cumpridos constituíram toda a sua escolaridade formal, ampliados ao longo de sua vida pela curiosidade e desenvolvimento autodidático. A inclinação para a política e filosofia estaria associada à figura do avô, o “Sócrates africano”, um ex-escravo descendentes dos males que pronunciava em rodas ao modo dos griots textos de filósofos e provérbios.
A partir dos anos de 1937 começa a migrar para São Paulo, passando por várias cidades do interior de Minas Gerais, depois Franca interior da Capital de São Paulo até finalmente chegar na megalópole em 1947. Conta que dormiu debaixo de pontes, foi auxiliar de enfermagem, trabalhou no circo e como empregada doméstica em diversas casas até ficar grávida de seu primeiro filho. Não sendo mais aceita para morar nesse tipo de emprego e vivendo temporariamente em cortiços no centro de São Paulo que estavam em processo de demolição, mudou-se para a favela do Canindé, onde criou seus 3 filhos e passou a escrever incessantemente impulsionada pela miséria.
Em 1958, apareceu a primeira reportagem contundente sobre os diários de Carolina no jornal Folha da Noite redigida por Audálio Dantas, e, no ano seguinte, foi a vez da revista O Cruzeiro, abrindo as portas para a publicação em 1960 de seu best seller Quarto de despejo: diário de uma favelada. O megassucesso a colocou em várias manchetes nacionais e internacionais, como na revista Paris Match, Elle e Realité, em programas de rádio e TV, como o de João Silvestre, o de Hebe Camargo e no seriado da rede Globo “Caso verdade”, apresentado nos anos 1980 e possibilitou a tradução desse livro em 14 línguas.
O êxito comercial das vendas de seu primeiro livro permitiu-lhe comprar a tão sonhada “casa de alvenaria” em Santana, onde passou a morar com os filhos até 1964, um bairro de classe média baixa, em que ela e seus filhos sofreram uma série de preconceitos por serem negros e carregarem o estigma da pobreza. Não suportando as discriminações, Carolina mudou para um sítio em Parelheiros, onde morou numa pequena casa com os filhos, sobrevivendo das colheitas de algum plantio e da criação de galinhas e porcos, além de vendas na beira da estrada, o que não deu certo por causa dos fiados, e da “catação” de ferro, segundo ela conta em seus diários escritos No sítio.
Com o dinheiro também publicou sem muito êxito outros livros: Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961) na esteira do sucesso de Quarto de despejo, Provérbios (1963) e o romance Pedaços da Fome (1963). Após dois ano da publicação francesa de Jounal de Bitita (1982) temos no Brasil a tradução póstuma do francês para o português de Diário de Bitita (1986),.
Carolina de Jesus faleceu pobre e esquecida de insuficiência respiratória no sítio de Parelheiros, na madrugada de 13 de fevereiro de 1977. Voltou à história de nossas letras em 1996, com as outras publicações póstumas de extratos inéditos de três diários em Meu estranho diário (1994) e uma coletânea de seus poemas intitulada Antologia pessoal (1994), com revisão do poeta Armando Freitas Filho e prefácio de Marisa Lajolo, ambos organizados por José Carlos Sebe Bom Meihy. Embora tenham chegado apenas esses 7 livros nas mão do público, Carolina deixou um precioso dossiê com mais de 5 mil folhas manuscritas e datiloscritas que vem sendo explorado e resgato pelos leitores que nãos e cansam de adentrar o universo da escrita caroliniana repleta de fissuras e potência criativa a abalar o bom termo do código linguístico e literário.




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