por
Raffaella Fernandez
Em uma de suas
folhas manuscritas, Carolina Maria de Jesus nos informa que
provavelmente
tenha nascido no ano de 1914 em Minas Gerais, em uma comunidade rural
na cidade de Sacramento onde seus familiares ex-escravos eram
meeiros.
Mudou-se com a mãe e os irmãos para uma fazenda na mesma cidade
quando cursava o segundo ano primário. Estes dois anos mal cumpridos
constituíram toda a sua escolaridade formal, ampliados ao longo de
sua vida pela curiosidade e desenvolvimento autodidático. A
inclinação para a política e filosofia estaria associada à figura
do avô, o “Sócrates africano”, um ex-escravo descendentes dos
males que pronunciava em rodas ao modo dos griots
textos de filósofos e provérbios.
A
partir dos anos de 1937 começa a migrar para São Paulo, passando
por várias cidades do interior de Minas Gerais, depois Franca
interior da Capital de São Paulo até finalmente chegar na
megalópole em 1947. Conta que dormiu debaixo de pontes, foi auxiliar
de enfermagem, trabalhou no circo e como empregada doméstica em
diversas casas até ficar grávida de seu primeiro filho. Não sendo
mais aceita para morar nesse tipo de emprego e vivendo
temporariamente em cortiços no centro de São Paulo que estavam em
processo de demolição, mudou-se para a favela do Canindé, onde
criou seus 3 filhos e passou a escrever incessantemente impulsionada
pela miséria.
Em
1958, apareceu a primeira reportagem contundente sobre os diários de
Carolina no jornal Folha
da Noite redigida
por Audálio Dantas,
e, no ano seguinte, foi a vez da revista O
Cruzeiro,
abrindo as portas para a publicação em 1960 de seu best
seller
Quarto
de despejo: diário
de uma favelada. O megassucesso a colocou em várias manchetes
nacionais e internacionais, como na revista Paris
Match, Elle e Realité,
em programas de rádio e TV, como o de João Silvestre, o de Hebe
Camargo e no seriado da rede Globo “Caso verdade”, apresentado
nos anos 1980 e possibilitou a tradução desse livro em 14 línguas.
O
êxito comercial das vendas de seu primeiro livro
permitiu-lhe
comprar a tão sonhada “casa de alvenaria” em Santana, onde
passou a morar com os filhos até 1964, um bairro de classe média
baixa, em que ela e seus filhos sofreram uma série de preconceitos
por serem negros e carregarem o estigma da pobreza. Não suportando
as discriminações, Carolina mudou para um sítio em Parelheiros,
onde morou numa pequena casa com os filhos, sobrevivendo das
colheitas de algum plantio e da criação de galinhas e porcos, além
de vendas na beira da estrada, o que não deu certo por causa dos
fiados, e da “catação” de ferro, segundo ela conta em seus
diários escritos No
sítio.
Com
o dinheiro também publicou sem muito êxito outros livros: Casa
de Alvenaria: diário
de uma ex-favelada
(1961)
na esteira do sucesso de Quarto
de despejo,
Provérbios
(1963)
e
o
romance Pedaços
da Fome (1963).
Após dois ano da publicação francesa de Jounal
de Bitita
(1982) temos no Brasil a tradução póstuma do francês para o
português de Diário
de Bitita (1986),.
Carolina
de Jesus faleceu pobre e esquecida de insuficiência respiratória no
sítio de Parelheiros, na madrugada de 13 de fevereiro de 1977.
Voltou à história de nossas letras em 1996, com as outras
publicações póstumas de extratos inéditos de três diários em
Meu
estranho diário (1994)
e uma coletânea de seus poemas intitulada Antologia
pessoal (1994),
com
revisão do poeta Armando Freitas Filho e prefácio de Marisa Lajolo,
ambos organizados por José Carlos Sebe Bom Meihy. Embora tenham
chegado apenas esses 7 livros nas mão do público, Carolina deixou
um precioso dossiê com mais de 5 mil folhas manuscritas e
datiloscritas que vem sendo explorado e resgato pelos leitores que
nãos e cansam de adentrar o universo da escrita caroliniana repleta
de fissuras e potência criativa a abalar o bom termo do código
linguístico e literário.
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