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PORQUE NÓIS NUM TÁ AQUI PRA SER LEGAL

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Todo mundo e ninguém. Atualíssimo sempre



Todo o Mundo e Ninguém


Um rico mercador, chamado "Todo o Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém", encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa, dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.
Representada pela primeira vez em 1532, como parte de uma peça maior, chamada Auto da Lusitânia (no século XVI, chama-se auto ao drama ou comédia teatral), a obra é de autoria do criador do teatro português, Gil Vicente.


Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguéme diz:

Ninguém:

Que andas tu aí buscando?


Todo o Mundo:

Mil cousas ando a buscar:

delas não posso achar,

porém ando porfiando

por quão bom é porfiar.


Ninguém:

Como hás nome, cavaleiro?

Todo o Mundo:

Eu hei nome Todo o Mundo

e meu tempo todo inteiro

sempre é buscar dinheiro

e sempre nisto me fundo.

E sempre nisto me fundo: e sempre me baseio neste princípio, nesta idéia.


Ninguém:

Eu hei nome Ninguém,

e busco a consciência.

Belzebu:

Esta é boa experiência:

Dinato, escreve isto bem.


Dinato:

Que escreverei, companheiro?


Belzebu:

Que ninguém busca consciência.

e todo o mundo dinheiro.


Ninguém:

E agora que buscas lá?


Todo o Mundo:

Busco honra muito grande.

Ninguém:

E eu virtude, que Deus mande

que tope com ela já.


Belzebu:

Outra adição nos acude:

escreve logo aí, a fundo,

que busca honra todo o mundo

e ninguém busca virtude.


Ninguém:

Buscas outro mor bem qu'esse?


Todo o Mundo:

Busco mais quem me louvasse

tudo quanto eu fizesse.


Ninguém:

E eu quem me repreendesse

em cada cousa que errasse.


Belzebu:

Escreve mais.

Dinato:

Que tens sabido?

Belzebu:

Que quer em extremo grado

todo o mundo ser louvado,

e ninguém ser repreendido.



Ninguém:

Buscas mais, amigo meu?


Todo o Mundo:

Busco a vida a quem ma dê.



Ninguém:

A vida não sei que é,

a morte conheço eu.

Belzebu:

Escreve lá outra sorte.


Dinato:

Que sorte?

Belzebu:

Muito garrida:

Todo o mundo busca a vida

e ninguém conhece a morte.

Garrida: engraçada.


Todo o Mundo:

E mais queria o paraíso,

sem mo ninguém estorvar.

Mo: me+o. Contração do pronome objeto indireto me com o pronome demonstrativo objeto direto o. Entenda-se no texto: sem ninguém estorvar isto a mim.
Estorvar: atrapalhar.


Ninguém:

E eu ponho-me a pagar

quanto devo para isso.

Ponho: entenda-se: proponho.

Belzebu:

Escreve com muito aviso.


Dinato:

Que escreverei?

Belzebu:

Escreve

que todo o mundo quer paraíso

e ninguém paga o que deve.


Todo o Mundo:

Folgo muito d'enganar,

e mentir nasceu comigo.

Folgo: tenho prazer, gosto.


Ninguém:

Eu sempre verdade digo

sem nunca me desviar.


Belzebu:

Ora escreve lá, compadre,

não sejas tu preguiçoso.



Dinato:

Quê?


Belzebu:

Que todo o mundo é mentiroso,

E ninguém diz a verdade.




Ninguém:

Que mais buscas?


Todo o Mundo:

Lisonjear.

Lisonjear: elogiar.



Ninguém:

Eu sou todo desengano.



Belzebu:

Escreve, ande lá, mano.


Dinato:

Que me mandas assentar?


Belzebu:

Põe aí mui declarado,

não te fique no tinteiro:

Todo o mundo é lisonjeiro,

e ninguém desenganado.




http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo098.shtml

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