Poesia, Propaganda e outras Pelejas
Durante os anos 80, umas
das poucas coisas que nós os jovens pobres tínhamos era a poesia,
para nos ajudar a discutir nossos problemas existenciais. Mas não
era qualquer poesia, pois a que pertencia ao samba nos era negada
pelos meios de comunicação, os quais lhes atribuíam um caráter
maldito, uma vez que sempre o ligavam à malandragem ou à boemia.
Nem era a poesia do pagode, que sempre nos fora apresentada como
tosca. Era pois, a poesia do rock brasileiro, expressada por bandas
como Legião Urbana e Engenheiros do Hawai. Essa sim foi a poesia que
nos ensinaram a admirar.
Apesar de essa poesia
ser toda amparada por um tipo de rock feito pela classe média
brasileira, ela também nos tocava. Devido à nossa carência, nós,
os jovens pobres, éramos forçados a adotá-la para expressar nossa
rebeldia. Porém, essa poesia não dialogava com os nossos
verdadeiros problemas de modo que adotávamos os problemas de outros.
Era comum, por exemplo, vermos adolescentes da favela cantando que
“... aos 13 anos de idade eu sentia todo o peso do mundo em minhas
costas...”, quando na verdade o sentiam praticamente desde que
nasceram.
O maior problema dos
jovens pobres terem de se expressar por meio de uma poesia de classe
média é que, como esta não nos representava de fato, também não
nos conferia “VOZ ATIVA”. Assim, quando gritávamos, saía de
nossas bocas frases que só entendíamos genericamente,
reivindicações que não eram exatamete as nossas. Por isso enquanto
gritávamos “...a gente quer bebida diversão e arte...”,
deixávamos de gritar “.. racistas otários nos deixem em paz...”.
Antes do rap o discurso
que saía da boca dos jovens e das jovens negras era nada mais que um
discurso forjado, de uma poética que se baseava em princípios
liberais - e por isso não tinha a luta de classes ou o racismo como
tema.
Liberal que era, esse
tipo de poesia bradava raivosamente como se fosse revolucionária,
por isso nos iludia. Um bom exemplo disso é a figura do Lobão,
cujo discurso parecia rebelde, mas era, como verificamos facilmente
hoje, liberal).
Havia naquele momento um
buraco que impedia que @ jovem pobre se encontrasse consigo. Ao tentar
fazê-lo o que via no espelho era um jovem de classe média, uma vez
que não havia poesia que cronicasse sobre a vida dos pobres.
E é exatamente essa
capacidade de cronicar que faz com que no final do anos 80 o Hip Hop
desponte com tanta força, pois era uma crônica reivindicatória. O
Hip Hop propõe uma poesia tão significante para o jovem pobre que
literalmente causa a extinção daquele tipo de banda de rock
tradicional (duas rádios são fechadas) e impõe um novo modelo de
rock brasileiro, que muitas vezes traz à frente um sujeito que canta
como um MC. Daí o sucesso de bandas como O Rapa ou Charlie Brow Jr.
Daí em diante, toda vez
que o rock quiser ser rebelde terá de recorrer ao rap (será por
isso que o Lobão odeia o Racionais?).
A nova poesia trazida
pelo rap se parecia tanto com a crônica, ao narrar o nosso cotidiano,
que nos forçava a perceber o ambiente político e identificar quais
eram nossos reais problemas (por isso, em seu melhor momento, ao
falar de nós, Thaíde nos chamou de Brava Gente, e todos os generos
músicais populares, do reggae à bossa nova, tiveram de se dobrar ao
rap, quando o assunto era política e desigualdade.
Quando em 1990 surgiu a
música Voz Ativa, realmente a juventude negra se autoafirmava, passava a ter "voz
ativa", e era visível que nossa noção de classe melhorara. Na
música/poesia que agora admirávamos, reconhecíamos a narrativa de
uma verdadeira saga, como a que havíamos contemplado antes em Faroeste caboclo. Em
seu lugar passamos a ouvir Um homem na estrada.
E a vergonha da favela foi sendo trocada pelo orgulho da quebrada - que passara, com a contribuição da poesia do rap, a ser vista não como terra de bandidos, mas como local da classe trabalhadora.
E a vergonha da favela foi sendo trocada pelo orgulho da quebrada - que passara, com a contribuição da poesia do rap, a ser vista não como terra de bandidos, mas como local da classe trabalhadora.
Mas a contribuição
mais importante para nós foi o surgimento da consciência negra,
antes totalmente negada pelas bandas de rock brasileiro. Entre elas
quem mais tematizou a questão negra foi a Legião Urbana e, mesmo
assim, apenas duas vezes e sem sequer citar a palavra negra ou negro.
Primeiro quando fala “Ei menino branco o que é que você faz
aqui...”, depois quando, em Faroeste Caboclo, fala: “... a
discriminação por causa da sua classe, sua cor...”. Mas não se
diz qual cor é exatamente essa.
Assim, a banda que mais
falou de negritude, criou uma música chamada Índios, mas não uma
chamada Negr@s. Na esteira romântica,
quando tentavam se encontrar com o Brasil só enxergavam os povos
indígenas.
Coube ao rap plantar a
ideia de negritude e conciencia negra. Ideia ainda melhor que aquela
plantada por Tim Maia nos anos 70, (é óbvio que aquele momento do
Tim Maia tem muita importância para o momento do rap, tanto é que o
disco Tim Maia Racional nomeia o grupo de rap Racionais).
Mas como falávamos
anteriormente, havia um buraco que impedia que @ jovem negr@ se
encontrasse consigo e, de certa forma, podemos entender que esse
buraco que separa o Tim Maia Racional dos Racionais MC's era um
buraco ocupado pelo rock brasileiro, pois este, como observamos, não
pautava os problemas do povo preto. Foi justamente por meio da poesia
do Racionais que o povo preto passou a fazer parte da pauta.
Mas a poética dos
Racionais era daquele tipo “impoética”, longe dos padrões, mas
com alta capacidade de diálogo com jovens pret@s, @s mais pobre do
pedaço. Além disso, ela alcançava jovens periféric@s de maneira
geral e até mesmo os filhos e as filhas da classe média - cujos
pais vieram, muitas vezes do Nordeste e deram um duro danado pra lhes
ofertar aquela vida de carro mil e casa na Praia Grande, reduto de
férias da classe trabalhadora. Essa classe média, com ajuda do rap,
tinha, às vezes, surtos de realidade e percebiam qual era sua
verdadeira classe. Em busca de aceitação e representação,
ampliavam frases típicas do povo favelado como, por exemplo, o “tá
tirando a favela”, que se transformava em “tá tirando a favela e
as casinha em volta”.
Essa poesia do rap
também ajudou a decretar o fim das piadas racistas (que, entretanto,
agora, em momentos de poesia mais frouxa, retorna às vezes nos free
styles – dado que nossos novos poetas/cronistas, muitas vezes não
apenas querem ir à TV – algo inconcebível no auge do Hip Hop -,
mas também assitem a programas que estão entre os piores do gênero televisivo, como, por
exemplo pânico e big brother, sendo por eles formados.
Isso mesmo camaradas,
tivemos uma reviravolta.
A poesia que nos
embalava voltou a ser sem sentido. Virou propaganda.
A mentira da técnica e
a mentira do letramento começa agora a matar o peixe que de cartola
atolada, fora d'água, se esqueceu do que precisa para respirar.
Esquece-se de que não serve qualquer ar e nem percebeu que ou volta
pra água e vive ou fica na babilônia e morre.
Sim foi o letramento um
dos corruptores do rap, pois ele o aproximou de um suposto público
“mais qualificado”, classemediano que terminou por envaidecer
nossos rappers. Parte do Rap nacional hoje já faz músicas muito
parecidas com aquelas feitas pelas bandas de rock do começo dessa
história. Parece que os jovens da classe média recuperaram a sua
velha poética ana-seus-lábios-são-labirintos-ana.
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