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sexta-feira, 6 de junho de 2014

Vai que é banzo? Sobre a Coletânea Poética Ogum’s toques negros



Distúrbio
psicossomático,
aliás, banzo


Tem dias que o coração aperta,
e uma tristeza vai moendo as entranhas,
e uma moleza esbagaça os planos
e uma certeza estraga o amanhã,
Vou me curar na praia de Copacabana.
E sentado ali por finito tempo,
fico olhando aquela merda de oceano Atlântico
que interrompeu o meu destino.

Éle Semog




Afrobrasileiros somos todos. Somos todas. Afinal, diz a lenda, a raça negra é um dos pilares que formaram geneticamente o nosso povo, junto com povos indígenas e europeus. O que a lenda sociológica não diz é que construímos mais que as bases genéticas. Fomos e continuamos a ser a base de desenvolvimento econômico, de renovação cultural e linguística - identitária - de nosso país.
O que a lenda também não diz é que ser afrobrasil - ou seja, ter os genes e algumas características negróides - não é ser uma pessoa negra. Não necessariamente. Aliás, até que se prove o contrário ( e olha que tem gente desejando desesperadamente provar) em alguma medida, toda a humanidade descende de ancestrais africanas.
Então, o que a lenda não diz é que a negritude, em nosso país, é vista em escalas de cor, não de genes. Quanto mais escura a pele, mais discriminação sofremos, menos chances temos de estudar, de trabalhar em empregos dignos e receber salários justos. Por outro lado, temos mais chances de morrer antes dos 30. Especialmente se formos homens pretos, pobres e moradores das periferias.
Se mulheres, nós também seremos premiadas com muito mais chances.
Chances de apanhar no parto; de morrer no parto; de trabalhar muito, muitíssimo, mas permanecermos abaixo da linha de pobreza.
Quanto mais preta, mais pobre a nossa população.
E tem mais, essa lenda não conta outra coisa: permanecemos resistentes. Resilientes. E desde sempre insistimos em contar nossa própria história.
Ogum’s toques negros é isso: Nossa voz, nossa história, nossa literatura. Os 19 escritores e escritoras que compoẽm esta coletânea só na aparência aceitaram os limites impostos pela cultura dominante (que categoriza o mundo somente a partir de si). Pois se fizeram literatura negra - carregada de marcas de sua própria negritude que, antes de tudo, é um ato político  e nos ajuda a nos posicionarmos, a nos reconhecermos e nos valorizarmos - a fizeram de modo a que transbordasse até o universo mais longínquo da alma humana - alma que é socialmente construída como humana.
Transbordaram  tanto dos rótulos que a gente quando lê sente um incômodo, uma ardência esquisita nos olhos, dores no corpo e talvez a respiração fique tensa.
Se isso lhe acontecer, não se espante, pois essa dor  pode ser sua alma  lembrando que descendemos de um mesmo tronco.
Pode ser mais que banzo. Pode ser (é) a arte cumprindo o seu papel  libertário .


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